Qual seria a relação entre as memórias e a herança e qual lição poderíamos tirar desse raciocínio?
Hoje me veio essa reflexão ao começar a fazer um bôlo chamado pela nossa família de Cuca de banana.
Vieram-me memórias muito antigas de uma cozinha muito simples, com um fogão chamado Econômico, com o fogo aceso. Quem me lê talvez não entenda. (Vou tentar achar uma foto para colocar aqui). Eu escrevi aceso e não ligado, pois este tipo de fogão era a lenha. Ao lado do fogão, uma caixa, do tipo báu, onde se colocavam os pedaços de madeira que seriam utilizados na queima. Este era o assento predileto da crianças para assistir a performance da transformação da farinha, açúcar, manteiga, leite, ovos e fermento em uma iguaria chamada “bolo”. Nossa tia Carlota, encostada no beiral da porta da cozinha, toda vestida de preto, com o cabelo em coque na nuca e seus belíssimos olhos azuis acinzentados, também assistia a cena, dando opiniões vez ou outra.
E a artista principal desta peça inesquecível atuava na sua mágica de transformar coisas muito simples em iguarias. Minha mãe, sempre com seu avental no mais genuíno estilo germânico, com seus cabelos ruivos amarrados, com seus olhos verdes muito vivos, batia as claras a mão, até ficaram em puro estado de neve, o que me encantava, e então sabíamos que logo o forno se abriria para mais uma espera.
Era pela espera do aroma de bolo no forno que inundava a casa, um aroma que inundava a casa e nos passava a certeza de que habitávamos um lar, de que tínhamos uma mãe dedicada, carinhosa e que se alegraria ao vermos colocar um bocado daquela Cuca de banana nas nossas bocas, que nos sentiríamos aquecidas pelos sabores que ressaem desse experimento, aquecidas do frio e chuva daqueles dias curitibanos, da umidade lá de fora e que estes sentimentos nos fariam entender o verdadeiro sentido do “familiar”.
Memórias ou herança? O que nos oferecia nossa saudosa mãe, no interior daquela casa simples de um bairro de Curitiba, nos idos de 1950? 
Seria a herança apenas a transmissão de um patrimônio palpável, frio, objeto de desavenças entre aqueles que deveriam se amar? As experiências amorosas de um lar, as memórias queridas que levamos para a vida não seriam uma herança subjetiva mais valiosa, mais feliz? Não seria um livro aberto de ensino de felicidade? 
Tenho que tais memórias aqui compartilhadas poderiam ter sido escritas em um testamento assim.
“Para meus filhos deixo as lembranças de um dia chuvoso em Curitiba, em que fiz uma Cuca de banana. Vocês, meus filhos, estavam contentes sentados no banquinho de lenhas. E, no forno, a Cuca exalava um delicioso aroma de açúcar levemente queimado, nos dizendo que o bolo estava pronto.” Sentamos para comê-lo ao redor da mesa da cozinha. Lá fora a chuva não parava.”

Receita de Cuca de banana no Marcador Bolos – Receitas mais antigas na versão da web.



 Foto do fogão captada na web (Fogão a lenha Venâncio)